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A GILETE NA MÃO DO MACACO

 
A Gilete na mão do Macaco

Carlos Bocuhy

Este texto foi escrito cinco anos atrás, mas nunca deixou de ser atual em função da prática continuada de ataques do Congresso, do Governo Federal e do Conama ao Código Florestal Brasileiro, em especial às Áreas de Preservação Permanente. Essa é uma prática inaceitável pois são criadas mais e mais condições de excepcionalidade para retirar, pouco a pouco, a essencial proteção das APPs.

Essa foi a prática adotada no Conama, na reunião do dia 29 de abril, onde o interesse social, utilizado como desculpa, foi extrapolado para permitir o uso de APPs para atender não só o agricultor familiar, mas ao agronegócio. Ao final do artigo, estou colando o parecer jurídico do PROAM sobre a matéria votada e aprovada debaixo de forte resistência dos ambientalistas e do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Há um mal que grassa no CONAMA que é o regime de urgência - que se torna regra geral, enquanto deveria ser a excepcionalidade. O regime de urgência engessa o conselho e retira a possibilidade de pedido de vistas ao final de processos rusticamente construídos, permitindo a aprovação de resoluções com vícios insanáveis do ponto de vista técnico e legal.

Não é possível que a sociedade continue permitir a prática abusiva do regime de urgência no Conama, para aprovar resoluções eivadas de vícios técnicos e de inconstitucionalidade.



A reunião ocorrida em São Paulo, a título de Reunião Pública de Esclarecimentos, conduzida pelo Ministério do Meio Ambiente, demonstrou toda fragilidade das justificativas da resolução CONAMA que pretende regulamentar intervenções em Áreas de Preservação Permanente (APP’s). O encaminhamento proposto foi pelo adiamento da votação no CONAMA e a realização de Audiências Públicas em cinco macro-regiões do Brasil, com o objetivo de colher subsídios junto à sociedade, em especial junto à comunidade científica, que sequer foi ouvida durante o processo de elaboração da proposta. Entre as maiores lacunas existentes, chamo a atenção para a desconsideração de mínimas condições que seriam essenciais para implementação da resolução.

Para que o poder público das esferas de competência federal, estadual ou municipal possam cumprir efetivamente as suas atribuições em relação à proteção do meio ambiente fazendo valer os princípios Constitucionais e da Política Nacional do Meio Ambiente, é indispensável que ele esteja capacitado e estruturado para exercer esta tarefa.

A manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado não é uma missão que pode ser sustentada por meio de “achismos” ao sabor da conveniência de políticos, de oportunistas ou de interesses econômicos imediatos.

Os efeitos de qualquer diretriz, meta ou estratégia normativa relativa a questões ambientais devem ser necessariamente avaliados em longo prazo, com base em fundamentação e análise consistente, porque o meio ambiente e os processos ecológicos essenciais devem ser mantidos para as presentes e futuras gerações, envolvendo escalas de tempo muito maiores do que a do ciclo de vida de um ser humano, ou de um governo. Se não houver responsabilidade, um altíssimo preço deverá ser pago pelos nossos descendentes.

Esta responsabilidade precisa ser assumida, não de forma demagógica para iludir ou enganar a sociedade, mas de modo a permitir que a mesma caminhe de fato em direção a um desenvolvimento comprometido com o conceito de sustentabilidade, sobre o qual muito se fala, mas pouco se faz. Realizar esta tarefa depende de condições efetivas para que os órgãos públicos competentes que integram o Sistema Nacional de Meio Ambiente possam executar avaliações ambientais procedentes em um contexto de estratégias articuladas e consistentes de planejamento e gestão do território.

Infelizmente, pouco ou quase nada disso ocorre na prática. As avaliações ambientais pontuais de projetos e intervenções vêm ocorrendo de modo generalizado, com sérias insuficiências, incorporando falta de fundamentação e até irregularidades do ponto de vista legal, salvo raríssimas exceções. A abordagem de fragmentar projetos em etapas, induzindo a avaliações pontuais e sub-estimativas de impactos vêm sendo amplamente empreendida tendo como meta principal burlar o sistema de licenciamento e as restrições legais. Os instrumentos de planejamento municipal (Planos Diretores) ou regional (Zoneamento Ecológico-Econômico - ZEE) estes estão ausentes na maioria do território brasileiro. Quando são elaborados, o que têm sido raro, estes tendem a ter uma discussão concentrada no atendimento de demandas político-partidárias, constatando-se que as audiências públicas acabam sendo convertidas em vergonhosas propagandas governamentais. Depois de aprovadas, as diretrizes dos ZEE’s não vêm acompanhadas dos instrumentos de articulação, execução e gestão necessários para as suas implantações efetivas. Elas acabam sendo adotadas por quem quer, na hora que lhes convém. De resto, passa a ser mais um jogo de mapas e textos estáticos e desatualizados, mofando nas gavetas das repartições públicas.

As únicas estratégias dinâmicas são aquelas voltadas para manter as aparências em meio ao quadro de descontrole da gestão ambiental. Um exemplo claro é a emissão de licenças ambientais condicionadas a dezenas de exigências que não são cumpridas e nem sequer fiscalizadas, prática muito comum junto à Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo, nas decisões tomadas pelo CONSEMA.

A retórica de transversalidade da questão ambiental em nível dos governos se revelou de modo inverso, pois assistimos à tomada de decisões que nos assolam como um rolo compressor, sem que seja dado o devido valor à questão ambiental. Primeiro, os governos decidem tudo, fazem pactos com corporações econômicas, licitações, arrumam verbas e fecham contratos. Depois, dirigem-se ao “cartório” para tirar a licença ambiental. Neste cenário perverso, não é levado em conta o grave fato que os órgãos do SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente) vivem uma deterioração progressiva de condições de atendimento para suas demandas. Faltam conhecimentos, planejamentos, profissionais capacitados e em número adequado, equipamentos, informações, isenção nas análises, estrutura, materiais e muitos outros recursos. Isso tudo pode ser demonstrado e comprovado. Bastaria visitar estes órgãos, em todo o país, e conversar com os seus agentes públicos (evidentemente com o compromisso de estes não viessem a ser perseguidos, intimidados ou demitidos) e verificar o enorme volume de análises aos quais estão submetidos, as áreas sob as quais estes têm responsabilidade de atuar em atividades de licenciamento, controle e fiscalização ambiental. Ao mesmo tempo são submetidos à pressão e à precariedade de condições para suporte e vazão a este trabalho.

Melhor ainda seria que os poderes públicos, nas diferentes esferas de competência, abrissem a “caixa preta” e revelassem, por uma simples questão de dignidade, e com a devida riqueza de detalhes, uma radiografia documentada sobre como está a situação em cada unidade dos órgãos ambientais brasileiros, quais são as suas responsabilidades e que condições existem e são necessárias para cumpri-las. A situação que a imprensa noticiou sobre o IBAMA do Mato Grosso foi apenas um ligeiro exemplo. O iceberg submerso na realidade do SISNAMA surpreenderia pela enormidade de fatos graves e pela insuficiência operacional, tendo por conseqüência um contingente de degradações ambientais que a imprensa não noticia – e a sociedade brasileira não dimensiona.

Revelar a amplitude do iceberg seria a transparência desejável. Isso, sim, seria democracia para a área do meio ambiente, tornando mais evidente que a gestão ambiental não pode ser feita só de textos legais, mas também de efetivas condições para colocá-los em prática de modo procedente e responsável. É preciso chamar a atenção para esta ferida aberta e expor à sociedade que os órgãos ambientais vêm se tornando cartórios à mercê dos interesses de governos e grupos econômicos. Assim, a sociedade poderia avaliar de modo mais consciente as perspectivas para a gestão ambiental e a viabilidade dos pacotes normativos recentemente discutidos pelo CONAMA, que representam uma deformação dos instrumentos de proteção ambiental consolidados no país.

Pois é exatamente neste contexto de precariedade e derrocada dos órgãos ambientais que o CONAMA, para piorar ainda mais a situação, vêm estabelecendo uma desfiguração do Código Florestal Brasileiro (Lei 4771/65).

Ao propor uma resolução que pretende regulamentar situações de EXCEÇÃO nas quais será permitida a supressão de vegetação e realizações de intervenções em Áreas de Preservação Permanente, o que o CONAMA está fazendo de fato é o estabelecimento de REGRAS de grande abrangência... que só promovem a degradação ambiental. As APP’s são essenciais à manutenção dos recursos hídricos, com seus diversos usos múltiplos, das nascentes, dos ecossistemas, das paisagens, bem como para a preservação da biodiversidade, dos fluxos gênico da flora e fauna, dos solos, e da estabilidade geológica, sendo extremamente importantes para o bem-estar das sociedades humanas e para a manutenção e recuperação da qualidade do meio ambiente. Exibimos na “reunião pública de esclarecimentos” um vídeo produzido pelo PROAM – Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, com o depoimento de especialistas como a Profª Yara Schaeffer Novelli, o Prof. José Pereira de Queirós Neto, Engº. Mauro de Moraes Victor, entre outros, retomando discursos sobre a importância vital das APP’s para a sociedade. Comparamos também a apropriação das APP’s por atividades degradadoras como a ocupação ambiciosa do território, a ponto de atingirmos as paredes das artérias vitais para a manutenção da vida do planeta. Assim, podemos provar que o problema crucial imposto à sociedade é que a proposta relativa ao assunto em discussão no CONAMA partiu de premissas profundamente equivocadas, levando a um texto com conteúdos perigosos. Com base neste texto, o CONAMA abriu a perspectiva de discussão por meio de emendas. Ocorre que não há como propor emendas em uma proposta normativa com este nível de vício, principalmente porque o processo que culminou na sua elaboração foi viciado por natureza. É fácil comprovar que toda a concepção da proposta de Resolução foi baseada na flexibilização de intervenções, usos e ocupações nas Áreas de Preservação Permanente, o que, na prática, representará uma ocupação predatória com evidentes prejuízos às presentes e futuras gerações. A proposta que se pretende aprovar no CONAMA em nada garante a salvaguarda do meio ambiente e de seus processos ecológicos essenciais, e está abrindo um grande flanco para as atividades de caráter privado, de modo injustificado e atabalhoado.

Embora os legisladores tenham a obrigação de preservar o patrimônio ambiental, propuseram, como fruto de discussões inconsistentes e não representativas em termos de Brasil, um conjunto de diretrizes inoportunas e equivocadas cuja eficácia é insustentável, especialmente porque as orientações postas pelo texto de Resolução proposto vão encontrar órgãos ambientais sem as mínimas condições, sem o devido preparo e sem o devido discernimento para utilizá-lo de modo procedente. Tal situação se assemelha ao conhecido risco incorporado ao dito popular de “colocar gilete na mão de macaco”, com o agravante das artérias serem as APP’s.

Não há como emendar um texto que estimula loteadores e especuladores imobiliários a usar Áreas de Preservação Permanente como sistemas de lazer para aumentar seu lucro a cada empreendimento à custa da redução das funções ambientais destas áreas. Pode parecer incrível, mas há uma Seção da proposta de Resolução feita só para eles (Da implantação de Área Verde de Domínio Público em Zona Urbana). Esta seção é um equívoco por concepção. Não há como arrumá-la, ou propor emendas.

Do mesmo modo, não há como emendar um texto que abre brechas, ao nível nacional, para se fazer atividade de exploração mineral em APP’s sem exigir Estudos de Impacto Ambiental (Seção II), admitindo genericamente o seu caráter de utilidade pública, coisa que pode não ser cabível em certos casos. Também não se pode aceitar ou emendar um texto normativo que em uma simples canetada pretende assumir, em uma norma de cunho ambiental, uma enorme responsabilidade no sentido de qualificar o ordenamento territorial de ocupações de baixa renda sempre como uma situação de “interesse social”.

É evidente que estas posturas não estão considerando as múltiplas situações existentes, a complexidade dos temas, as debilidades dos órgãos ambientais e a ausência de contrapartidas efetivas dos poderes públicos para garantir que a implantação destas ações ocorra dentro de contextos sérios de planejamento ambiental e gestão territorial. Será gilete, mais sangue... e porque não dizer hemorragias?

Os órgãos ambientais, desestruturados, suscetíveis e falidos, vão receber uma imensa responsabilidade para a qual não estão preparados. Eles não só vêm deixando de cumprir suas responsabilidades mais básicas, como vêm induzindo centenas de decisões sobre intervenções e projetos, que passam a caracterizar e compor um “passivo autorizado”, que se agrega a tantos outros já existentes em território nacional. Nossos órgãos ambientais deveriam estar capacitados e ter efetivas condições de realizar com seriedade e fundamento as análises envolvendo, por exemplo, a comprovação da “inexistência de alternativas técnicas e locacionais”, diante da proposição de intervenções no meio ambiente, como pretende o texto de Resolução CONAMA, garantindo-se qualidade, segurança e credibilidade para a eficácia da avaliação ambiental, mas isso não ocorre. Não é raro que assuntos como este tendam, por vezes, a serem abordados e instruídos por meio de uma olhadela rápida na área em análise, ou apenas com base em relatórios ou relatos de terceiros (sem sequer se ir ao local), seguida da concordância crônica aos argumentos dos interessados nos projetos.

No texto base da proposta de Resolução aprovada pelo CONAMA, a questão do baixo impacto (Seção V) é apresentada por meio de uma lista de atividades pré-estabelecida; quando este enquadramento depende de muitos fatores que podem mudar caso a caso. É muita subjetividade colocada à disposição de um sistema de avaliação e decisão extremamente frágil e precário. Um exemplo da fragilidade da proposta é a desconsideração que várias intervenções de “baixo impacto” em propriedades vizinhas, ou em locais próximos, podem ser tornar, cumulativamente um grande inconveniente para as funções ambientais das APP’s (por exemplo: várias “pequenas” trilhas; “construções de rampas de lançamento de barcos e “pequenos” ancoradouros; além de “pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões). Difícil será convencer as pessoas que um vizinho pode ter uma rampa de barco e o outro não pode, e assim por diante.

Hoje em dia basta um empreendedor ou um Prefeito aumentar o volume de voz, mesmo com afirmações infundadas e distorcidas em documentos unilaterais e verticais, para que o sistema de licenciamento acate docilmente as argumentações, correndo-se o risco de que este venha se tornar até “sócio” do projeto proposto, como se integrasse uma “holding” com os interessados. Para piorar o nível de ameaça ao meio ambiente, o texto da Resolução proposta indica hipóteses em que as decisões poderão ser tomadas também pelos órgãos municipais, em que as suscetibilidades são ainda maiores.

Devemos lembrar que esta proposta de Resolução é apenas o primeiro passo dos lobistas. As novas resoluções sob encomenda estão na ordem do dia. O exemplo mais premente refere-se as coorporações econômicas que querem manter plantações de eucalipto em extensas APP’s de topo de morro, visando evitar prejuízos em seus processos de Certificação Ambiental. O que impressiona é que estas áreas estão em situação irregular há décadas.

As tendências atuais do desmonte de sistemas públicos de gestão ambiental, via inanição estrutural e fragilidade a pressões têm que ser revertidas a todo custo. Projetos e intervenções no meio ambiente não podem ser avaliados somente pela ótica pontual, superficial e quantitativa, por meio de práticas temerárias do tipo “tentativa e erro”, empurrados por “achismos” ou “deixismos” arbitrários, sem critérios ou com critérios inadequados ou subjetivos. O preço a pagar é muito alto. É preciso contar também com avaliações qualitativas e com a visão de conjunto, em escalas variadas, para não sermos surpreendidos por efeitos cumulativos nefastos.

Não há como aceitar ou emendar o texto de Resolução do CONAMA proposto com este nível de equívoco, permissividade e subjetividade. Até mesmo a sua viabilidade de aplicação e eficácia são insustentáveis nos termos postos. A suspensão da edição da resolução se impõe como medida indispensável para permitir que o assunto possa ser reconsiderado e avaliado de forma profunda e responsável, como o assunto requer, uma vez que o que está em jogo são áreas protegidas por Lei, importantes demais para serem tratadas deste modo.

A Resolução CONAMA parece finalmente ter um grande mérito: provocar a reflexão da sociedade sobre nossos meios operacionais para a implementação da gestão ambiental no Brasil. É o momento de refletir, avaliar e buscar soluções para o fortalecimento e capacitação do SISNAMA.

Enquanto isso, nossa responsabilidade, enquanto sociedade, é de não permitir que se coloque a gilete na mão do macaco... mesmo que tentem pintá-la de verde!

Carlos Bocuhy
Presidente do PROAM – Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental

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