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ABCD ainda prioriza a economia marrom
Em entrevista concedida ao Jornal ABCD Maior, o presidente do PROAM, Carlos Bocuhy fala sobre os problemas ambientais do ABCD e a falta de iniciativa para a despoluição da represa Billings.


Ambientalmente o ABCD está na contramão do mundo. Enquanto muitos países investem na economia verde, que coloca o homem e seu bem-estar em primeiro plano, a Região ainda dá preferência à economia marrom, onde o desenvolvimento e a renda ficam em primeiro lugar. Esta é a opinião do presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental) e conselheiro do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), Carlos Bocuhy. Em entrevista ao ABCD MAIOR, o ambientalista também criticou a falta de iniciativas para despoluição da represa Billings e ainda alertou as prefeituras e o Consórcio Intermunicipal de Prefeitos a começarem a fazer a lição de casa.


ABCD MAIOR – Como o sr. avalia os problemas ambientais no ABCD?
CARLOS BOCUHY – Os impactos ambientais no ABCD ainda são fortes. A represa Billings é um exemplo disso. O reservatório continua a sofrer com assoreamentos, perda da capacidade de produção de água e poluição com os lançamentos dos esgotos. Essa é apenas uma situação da série que temos vivenciado na Região há décadas. Apesar de haver mais conscientização, não há transformações. A consciência ainda não provocou mudanças de comportamento que levassem a Região a uma perspectiva ou planejamento para a sustentabilidade. Assim, o ABCD ainda apresenta fortes elementos de economia marrom, enquanto o mundo transita para a economia verde.

Em relação à Billings, existem projetos que garantem o fim do lançamento de esgotos até 2018. Como o sr. vê essas iniciativas?
Primeiro é preciso saber qual é a qualidade desse tratamento. Até porque o problema da despoluição do rio Tietê está na incapacidade das estações de tratamento para processar o esgoto de forma a deixar a água em estado bom para ser devolvida ao rio. E estamos falando da mesma empresa de saneamento. Não há, por exemplo, confiabilidade no sistema de tratamento realizado em Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. Se for para fazer como lá, então é melhor rever o processo.

Como podemos recuperar o braço Rio Grande da Billings?
As novas dragagens são muito caras, porém é um processo seguro, com muitas tecnologias avançadas. Até porque quando se mexe no lodo depositado no fundo da represa, é claro que os contaminantes sobem. Então é preciso fazer isso com cuidado e utilizando altas tecnologias, de modo a garantir um trabalho de despoluição sem danos à vida marinha ou à captação de água. Mas infelizmente, até agora, nada foi pensado em relação à remoção dos contaminantes da represa.

Por que a recuperação não ocorre?
Solucionar o passivo ambiental da Billings não é difícil, mas não existe vontade política para isso. Para a descontaminação temos dois aspectos: os contaminantes identificados, no qual sabemos quem são as empresas poluidoras; e o lodo do fundo da represa, que é um material difuso, sem identificação e, portanto, fica de responsabilidade do setor público. No caso das empresas, o processo de descontaminação é lento, quase não ocorre. E, por parte do governo, não vemos sinalização para descontaminar o reservatório.

O que pode ser feito?
Nos dados do Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica) vemos que a Billings já perdeu mais da metade da sua capacidade de produção. Isso significa que desmatou-se muito em torno do reservatório e as nascentes estão morrendo. Para recuperar é preciso realizar um projeto ambicioso de reconstrução do ecossistema de produção de água, o que significa reflorestar. Nesse sentido, vemos iniciativas pequenas, isoladas e sem muito critério, como foi o caso da compensação ambiental do Rodoanel. Se não reconstruirmos o entorno da Billings, ela vai perder, vai morrer.

E o caso de doenças que seriam causadas pela poluição do Polo de Capuava?
Desde que estudos científicos comprovaram a relação entre casos de tireoidite nos moradores próximos às empresas do polo, estamos pedindo que o governo federal faça estudos epidemiológicos em torno dos polos brasileiros. Pois, se está acontecendo no ABCD, também pode estar ocorrendo no Rio de Janeiro, na Bahia e nos demais polos. A ideia é conseguir maior comprovação para levar o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Esta será uma forma de internacionalizar o problema.

As usinas de lixo são a melhor saída para a destinação dos resíduos sólidos?
Essa seria a saída mágica. O ABCD é uma Região que conseguiu se articular muito bem por meio do Consórcio Intermunicipal. Porém, o Consórcio, que nasceu para ser instrumento de proteção à Billings e para encontrar uma solução integrada para os resíduos sólidos, se transformou em um mecanismo ineficiente. Tanto, que atualmente o ABCD não recicla quase nada. A política de manejo de resíduos sólidos do ABCD, do ponto de vista de sustentabilidade, tem nota zero. A Região nem começou a fazer a lição de casa, até porque era muito cômodo colocar o lixo em aterro. Quanto às usinas, por mais que a tecnologia seja limpa, o custo será alto. A pessoa vai depositar um saco de lixo na porta e um saco de dinheiro para pagar o tratamento na incineração. As usinas estão sendo proibidas na Europa e vindo para o Brasil como sucata. Algumas têm até boa tecnologia, mas são indesejáveis do ponto de vista da sustentabilidade.

De acordo com a Cetesb, a quantidade de terrenos contaminados tem crescido no ABCD. A que se deve isso?
Até 1960, o eixo de desenvolvimento da metrópole de São Paulo era realizado ao longo das ferrovias. A Santos-Jundiaí, que inclui a Região, era o principal canal do escoamento da produção e tudo se instalava por ali. Na época não havia nenhuma regra ambiental, era normal, as pessoas enterravam o seu resíduo perigoso no fundo da fábrica. A primeira regra surge depois da década de 1960, de modo que muitos passivos ambientais ficaram como esqueletos enterrados pelo ABCD. O problema é que não houve um mapeamento disso. Hoje só existe providência quando um determinado episódio tem apelo público.

Quem deve pagar pela descontaminação?
Esse é outro problema. Ao mesmo tempo em que falta identificação dos locais contaminados, não temos um instrumento econômico eficiente para recuperação dessas áreas. A sociedade fica refém de um possível interesse econômico na área para sua recuperação, o que é um absurdo. Lutei muito no Conselho Estadual de São Paulo para institucionalizar um programa que trabalhasse com a perspectiva de um fundo, pago pelas indústrias, para descontaminação dos terrenos. Nos Estados Unidos, o fundo funciona muito bem e já descontaminou mais de 40 mil áreas.


Fonte: www.abcdmaior.com.br