

Assista no YouTube: Carlos Bocuhy explica os prejuízos ambientais com a extração de petróleo na foz do rio Amazonas
Segundo Carlos Bocuhy, os prejuízos ambientais da exploração de petróleo na Foz do Amazonas são extremamente elevados. A extração pode chegar à 30 bilhões de barris de petróleo na região. Uma vez consumido, cada barril se transforma em 420 a 440 kg de carbono. Com isso, o Brasil será responsável pela extração que gerará nada menos do que 13 bilhões de toneladas de carbono da atmosfera. Segundo o cálculo do impactos econômicos do aquecimento global, defendido por economistas da Universidade de Stanford, o prejuízo econômico planetário com essa extração seria de aproximadamente US$ 15 trilhões. O prejuízo recairá sobre a sociedade humana, especialmente aos mais vulneráveis, por meio de furacões, tempestades, secas, insegurança hídrica e alimentar, além de outros infortúnios causados pelo desequilíbrio climático, sem falar de aspectos ecossistêmicos e humanitários. Sem ciência, sem conhecimento e sem informação devida à sociedade e à humanidade, e sem contas adequadas, de imediato o Brasil enfrentará vexame inevitável, como país anfitrião da COP30, que se inicia em 10 de novembro em Belém do Pará. Não terá lastro como liderança ecológica para pedir comprometimento climático aos demais países depois dessa decisão desastrosa. Também há os riscos imediatos envolvidos. O local de extração representa péssima alternativa locacional. A área de exploração está envolta por ecossistemas frágeis que não apresentam possibilidades de mitigação em caso de vazamentos.


Os 63 pontos vetados pelo governo no projeto de lei do Licenciamento Ambiental só resolvem parte do problema, afirma Carlos Bocuhy, Presidente do PROAM-Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental. Bocuhy afirma que o problema é de essência, é não estabelecer regras claras para avaliações ambientais com aporte técnico, científico e com participação social. Veja no Youtube:
Vetos ao PL do Licenciamento só resolvem parte do problema afirma Carlos Bocuhy


As consequências dos desastres "naturais" não são apenas de origem natural. Decorrem de mau uso do solo e outras vulnerabilidades decorrentes da infraestrutura política, econômica e social
6 de janeiro de 2025
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) →
António Guterres, secretário-geral da ONU, em sua mensagem de Ano Novo, afirmou que passamos por uma “década de calor mortal”. Apesar dos tempos difíceis, reiterou sua fé na humanidade, mas sem deixar de pedir aos países que “saiam desse caminho para a ruína”.
A ONU aposta na capacidade de informação para melhor explicar a humanidade sobre os riscos envolvidos. Uma das maiores necessidades hoje é o esclarecer os riscos do caminho da ruína, o aquecimento global e suas pré-vulnerabilidades.
Vivemos a realidade sinérgica de um mundo interconectado. As crises ambientais, sociais e econômicas estão profundamente interligadas. Há um acirramento das condições climáticas. Isso potencializa eventos naturais e, de outro lado, há uma conjuntura de vulnerabilidades pré-existentes provocadas pela ação humana que envolvem aspectos físicos, estruturais, econômicos e sociais.
Um artigo de opinião assinado por 30 climatologistas e publicado pelo Le Monde afirma que se concentrar apenas no papel das mudanças climáticas tende tornar invisíveis outras causas fundamentais dos desastres naturais.
Afirmam os especialistas: “Os danos humanos e materiais causados por um desastre climático nunca são o resultado apenas do evento climático extremo. Ocorrem quando tal evento é combinado com uma vulnerabilidade pré-existente, por exemplo, populações em situação de precariedade econômica e social, idosos, jovens e/ou com saúde precária, infraestrutura mal adaptada, serviços de saúde e resgate mal preparados ou mal equipados”.
Essa é uma verdade evidente. As consequências dos desastres “naturais” não são apenas de origem natural. Decorrem de mau uso do solo e outras vulnerabilidades decorrentes da infraestrutura política, econômica e social, que “não se desenvolveram para proteger a vida e a dignidade das pessoas, atendendo às suas necessidades básicas”.
Os pesquisadores chamam a atenção para a necessidade de líderes preparados. As autoridades, tomadoras de decisão, precisam perceber com honestidade o que torna a humanidade vulnerável a eventos climáticos extremos, de forma a diagnosticar e reduzir as fontes de vulnerabilidade.
Se essa responsabilidade não for assumida, a sociedade humana não estará preparada para os eventos climáticos do futuro, que possuem prognósticos mais graves. Assim, reduzir a fragilidade nos territórios é um ponto essencial para a adaptação climática.
Segundo Lincon Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), “o aspecto da vulnerabilidade, ou seja, o grau de suscetibilidade de uma cidade, uma comunidade, frente a essas ameaças, também depende de outros fatores como infraestrutura e capacidade econômica, social, disponibilidade de recursos para preparação frente aos desastres. Então, a combinação desses fatores é o que determina o risco climático”, aponta.
De acordo com especialistas em desastres, ex-funcionários da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) e estudos científicos, a verdade sobre o aumento dos impactos climáticos, considerando pré-vulnerabilidades, está em outro lugar: com o tempo, a migração para áreas propensas a riscos aumentou, colocando mais pessoas e propriedades em perigo. Os desastres são mais caros porque há mais para destruir.
Se a situação das pré-vulnerabilidades sofre contínuas pioras, de outro lado os efeitos climáticos sobre os territórios ganham maiores previsões de risco.
O relatório da World Weather Attribution em parceria com a Climate Central, publicado em dezembro de 2024, traz constatações preocupantes. O relatório começa por considerar 2024 o mais quente da história: “As temperaturas recordes alimentaram ondas de calor implacáveis, secas, incêndios florestais, tempestades e inundações que mataram milhares de pessoas e forçaram milhões a deixar suas casas”.
O estudo pontua 41 dias de calor extremo, a morte de pelo menos 3.700 pessoas e o deslocamento de milhões em 26 eventos climáticos mais impactantes entre os 219 registrados durante 2024. E revela que “as mudanças climáticas desempenharam um papel maior do que o El Niño em alimentar esses eventos, incluindo a seca histórica na Amazônia”. Isso é consistente com o fato de que, à medida que o planeta aquece, a influência das mudanças climáticas se sobrepõe cada vez mais a outros fenômenos naturais que afetam o clima.
Para além dos territórios que abrigam grandes populações com vulnerabilidades pré-existentes, decorrente de sucessivas gestões públicas irresponsáveis, temos no Brasil o gigantesco desafio de proteger elementos essenciais que dão sustentação à vida, ecossistemas vitais, seja para manutenção da água, da agricultura ou atividades econômicas.
Um desses é o motor vivo, agitado e respirante da Amazônia. Além de transpor água para prover chuvas para o continente sul-americano, abriga centenas de comunidades indígenas, milhões de espécies animais e vegetais e 400 bilhões de árvores, além de número incontável de outros seres vivos que ainda precisam ser descobertos, catalogados e estudados, além de armazenar abundância de carbono, evitando que este venha a aquecer o planeta.
Cientistas têm alertado que, com a destruição continuada da floresta por desmatamento criminoso, sua imensa máquina de produzir umidade e fazer chuva possa quebrar, fazendo com que o resto da floresta murche e se degrade em savana, relegando o continente a intenso processo de desertificação.
Esse é um dos patamares perigosíssimos para onde a sociedade brasileira está sendo gradualmente lançada. As secas de 2024, que atingiram duramente as principais bacias hidrográficas do Oeste do Brasil, nos dão uma amostra dos impactos da desertificação em curso.
Assim, somam-se elementos naturais, aquecimento global e o paradigma extra de combater o avanço das vulnerabilidades pré-existentes. Dessa forma, o combate aos impactos das mudanças climáticas traz consigo o desafio de enfrentar as causas da piora continuada nos territórios, que ocorre sob as vistas grossas, ou estimulada por gestores irresponsáveis.
Além da eficiência no combate ao desmatamento, os instrumentos de ordenamento territorial devem ser repensados para o saneamento das inúmeras lacunas insustentáveis, como por exemplo a ocupação desregrada das várzeas, de encostas inabitáveis e áreas litorâneas de influência das crescentes e intrusivas marés.
A vulnerabilidade climática está intrinsecamente ligada a processos de governança do território. Tem se tornado insustentável pelo motor avassalador da devastação florestal pelo agronegócio predador; e na atuação especulativa e ambiciosa do setor imobiliário, alimentada ainda por elementos sociais como pobreza e a decorrente precariedade dos assentamentos humanos.
Adentramos 2025. Estamos dentro dessa era cada vez mais perigosa, causada pelo homem com o lançamento de gases efeito estufa, que potencializa mais e mais os impactos sobre o universo das pré-vulnerabilidades.
Vale perguntar aos gestores das cidades, dos estados e da União, aos deputados e senadores, vereadores e setores econômicos predadores: o que estão fazendo para conter o imenso rol de pré-vulnerabilidades que vêm sendo continuamente ampliada no Brasil? É preciso sair do caminho da ruína, como afirmou Antonio Guterres.
É uma fase perigosa para um mundo incauto.


Carlos Bocuhy – Vivemos a era dos retrocessos humanitários. É preciso sair da atual realidade limitadora de avanços civilizatórios. Será necessário um esforço adicional da sociedade humana para superar o desequilíbrio multifacetado do “backlash” planetário (involução na proteção ambiental), com bloqueios negativos e retrocessos que podem ser sentidos nas áreas do conhecimento, instâncias de governança ou na piora dos conflitos armados que permeiam a humanidade.
Enquanto o setor de direitos humanos de Genebra se demonstra incompreensivelmente silente em relação à situação atroz e evidente de inanição das crianças na faixa de Gaza, situações mais sutis ganham fortes proporções, como o desmantelamento de sistemas educacionais ligados à área de humanidades, como vem ocorrendo nos Estados Unidos.
O espírito de embate em defesa do conhecimento toma corpo dentro do meio acadêmico norte-americano, como na Universidade de Chicago, onde já ensinaram expoentes como Hannah Arendt, que já vaticinou que a “humanidade” não é mais, em nossos tempos, conceito norteador, mas sim realidade premente.
“Não se pode parar de produzir pessoas treinadas ou educadas para ajudar os alunos de graduação a entender as coisas mais importantes pensadas, escritas ou pintadas na história humana”, afirma o renomado filósofo Robert Pippin, do Comitê de Pensamento Social da Universidade Johns Hopkins e da Universidade de Chicago.
De fato! O atual estágio febril da humanidade ganha proporções inimagináveis quando considerada não apenas inação, mas atitudes que claramente agravam os riscos climáticos globais. Donald Trump ordenou que as agências governamentais identifiquem maneiras de aumentar a produção de petróleo e gás dos EUA, argumentando que administrações anteriores reduziram desnecessariamente a perfuração para combater as mudanças climáticas – e revogou os esforços do ex-presidente Joe Biden para bloquear a perfuração de petróleo no Ártico e ao longo de grandes áreas nas costas do Atlântico e do Pacífico dos EUA.
A influência da extrema direita populista, cujo projeto político se baseia na negação dos riscos climáticos e na sua minimização, vem provocando mudanças nos partidos conservadores na União Europeia e nos Estados Unidos. “Na Europa, o Green Deal está sob ataque, e do outro lado do Atlântico o Departamento de Energia dos EUA publicou uma teia de mentiras sobre as mudanças climáticas neste verão para justificar sua política de desregulamentação ambiental e para não ser mais forçado a reduzir as emissões de gases de efeito estufa”, afirma Valérie Masson-Delmotte, do Conselho Superior do Clima da França.
As defesas do humanismo trazem claramente o apelo de preservar o conhecimento, salvaguardar o aprendizado diante das ameaças do mercado e dos apelos grosseiros do utilitarismo imediatista econômico, que tem seu melhor exemplo na onda trumpiana ecocética que agrava o aquecimento global, abala relações internacionais e ameaça áreas mais progressistas do conhecimento, dentro ou fora da máquina estatal americana.
Salvaguardar a ciência e as boas iniciativas para proteger a humanidade dos aspectos non sense do imediatismo econômico são fato real, como o caos que se instala na ordem econômica global com as políticas coercitivas de taxações praticadas pelo governo Trump.
As práticas de espoliação imobiliária de Belém, no Pará, onde ocorrerá em novembro a COP30, também são exemplo. Aluguéis exorbitantes estão simplesmente inviabilizando uma das oportunidades globais mais relevantes para a história ambiental do Brasil e do mundo, a conferência climática global, que ocorre em pleno período de agravamento da emergência climática.
Recentemente a maioria dos parlamentares da Câmara Federal do Brasil atacou duramente o sistema de licenciamento ambiental, instrumento importantíssimo para a gestão da sustentabilidade territorial. Isso é ainda mais grave no cenário nacional, onde o planejamento se tornou incipiente diante das forças devastadoras em busca das facilidades econômicas que se abatem sobre o território amazônico, Pantanal e Cerrado, entre outros. É a vívida marca do colonialismo exploratório que a sociedade brasileira ainda não conseguiu conter.
O presidente do Senado brasileiro, David Alcolumbre, parece ter convencido o próprio governo brasileiro de que as normas ambientais do licenciamento podem ser relativizadas para regime especial de avaliação no âmbito governamental, se houver interesse federal considerado estratégico.
Essa classificação sempre foi um grande desafio, pois o conceito de desenvolvimento é confundido muitas vezes com mero crescimento, ou inchaço econômico, sem nenhum componente qualitativo de sustentabilidade. Dessa forma relativizou-se a normativa, lançando-a para um rito especial que restringe o tempo adequado para avaliação de impactos, atropelando aportes da ciência e dos direitos da ampla participação social.
Práticas excludentes, mas bem embaladas, se apresentam como jugo suave voltados ao cenário econômico, como se fossem benefícios à nação. Na realidade acabam por corroer direitos fundamentais da vida e da natureza, sacrificando o presente e o futuro, em troca de benefícios imediatos para a mão de poucos. Isso não é interesse nacional.
Estávamos um pouco distraídos enquanto esses processos se instalavam, afirma Jacques Rancière, filósofo e educador francês: “Não percebemos o movimento pelo qual a lógica capitalista da globalização se tornou a vontade de dominação absoluta dos corpos e mentes, e a busca pela redução de custos convergiu com ideologias identitárias e a paixão por eliminar o indesejável”. Adepto da democracia radical, Rancière afirma que “é difícil adaptarmo-nos a uma época em que se trata mais de resistência do que de invenção”.
Tempos de trincheira e resistência. Mas haverá a oportunidade para avançar, uma vez que este modelo, do ponto de vista ambiental, se esgota por si.
É preciso que a sociedade esteja atenta, uma vez que ainda existem dificuldades cognitivas profundas na espécie humana, causadas pela lógica puramente mercantilista, a tal ponto de permitir, por exemplo, a destruição da própria sustentação hídrica continental para lucrar com a devastação da Amazônia. Nada mais próximo da fábula da galinha dos ovos de ouro.
A COP30 será o grande indicador da capacidade humana de reação ao caos que vem se instalando. A responsabilidade do Brasil ao sediar a conferência é imensa. Além dos acordos em curso, que envolvem metas para redução de emissões e reparação de danos para países vulneráveis, o momento político da COP30 é extremamente oportuno para avaliar a extensão dos impactos da atual era de retrocesso sobre o equilíbrio climático – e propor medidas firmes para sua superação.
Fonte da matéria: Era de retrocessos humanitários e ambientais – ((o))eco – https://oeco.org.br/colunas/era-de-retrocessos-humanitarios-e-ambientais/


BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A direção do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) usou um parecer alternativo para autorizar os testes da Petrobras na Foz do Amazonas e driblar a opinião dos técnicos do órgão, que haviam recomendado barrar a operação.
Na prática, a recomendação inicial contrária (assinada por 29 técnicos) tramitou no órgão, mas, ao chegar no topo da hierarquia, foi mencionada para determinar o inverso: o aval para a operação, assinado por Agostinho.
Procurado, o Ibama afirmou que o processo corre em "absoluta segurança técnica e jurídica".
"O plano, em seus aspectos teóricos e metodológicos, atendeu aos requisitos técnicos exigidos e está apto para a próxima etapa: a Avaliação Pré-Operacional (APO)", disse, em nota.
Agora, a Petrobras pede ao Ibama que a simulação da operação no bloco 59 da bacia de Foz do Amazonas aconteça em julho, mas ainda não há uma data definida.
O instituto sofre grande pressão política, inclusive do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para liberação do empreendimento, que fica na região da cidade de Oiapoque, no Amapá.
Também defendem o projeto nomes como os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Rui Costa (Casa Civil), o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
Este último, inclusive, conseguiu emplacar uma emenda ao projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental no Brasil que pode acelerar empreendimentos como o de Foz do Amazonas.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o novo leilão de petróleo da região (marcado para o próximo dia 17) pode ser a última chance para o governo Lula ampliar a exploração na região —a depender do resultado da análise do Ibama sobre o caso da Petrobras.
O governo espera contar com a arrecadação do setor e, por isso, pressiona pela aprovação do projeto —servidores, por outro lado, criticam a pressão política sobre o licenciamento.
A ala ambiental do Executivo defende que a definição final será exclusivamente técnica, porém mais de uma vez a decisão do presidente do Ibama contrariou o corpo de especialistas do órgão, que desde 2023 recomenda o indeferimento e o arquivamento do pedido.
A Petrobras vem recorrendo e atualizando seus documentos para tentar conseguir a licença.
A Folha de S.Paulo revelou que, em outubro de 2024, técnicos do Ibama reiteraram a negativa após novo plano apresentado pela estatal, mas Agostinho resolveu dar continuidade ao processo.
Em fevereiro deste ano, o jornal O Globo noticiou que novamente a equipe recomendou a rejeição e o arquivamento.
Agostinho, como mostrou a revista Sumauma em maio, novamente contrariou sua equipe.
Na opinião dos técnicos, a Petrobras apresentou uma "reiterada recusa" em considerar impactos ambientais e exigências do órgão, e "opta por enaltecer a excelência do plano", apesar dos "aspectos relevantes que seguem não atendidos pela empresa".
A análise técnica do Ibama coloca em dúvida se esse plano é executável —pela inadequação das embarcações previstas, por subestimar as condições meteorológicas da região, ou por desconsiderar obstáculos logísticos para o salvamento de animais, dentre outros pontos.
O documento admite melhoras substanciais, mas é claro ao não aprovar o plano de proteção da fauna. "Logo, entende-se não ser viável o início do planejamento para realização da Avaliação Pré-Operacional", conclui a recomendação.
Assinado em 26 de fevereiro, o "parecer técnico" negativo é o primeiro de cinco documentos internos do Ibama, aos quais a Folha de S.paulo teve acesso, até a decisão de autorizar a avaliação.
Em 5 de março, a posição dos técnicos é inicialmente referendada, e o processo fica então mais de dois meses parado.
A mudança acontece no final da tarde de 19 de maio, quando a diretoria de licenciamento do Ibama emite uma "manifestação técnica", referente ao parecer de fevereiro, mas, ao invés de concordar com a rejeição do plano e inviabilidade da simulação, vai na direção inversa.
A direção entende que os técnicos não apontam "maiores questionamentos quanto ao dimensionamento da resposta e recursos envolvidos, mas sim dúvidas quanto à exequibilidade do plano proposto".
Por isso, entende "como alternativa plausível" determinar a "aprovação conceitual" do plano de proteção, que havia sido rejeitado pelos técnicos.
E diz que é justamente a simulação, antes barrada, que pode proporcionar uma "adequada avaliação" sobre se a proposta da Petrobras é, ou não, executável, para só então ser dada a palavra final.
Cerca de dez minutos depois um novo despacho reitera este entendimento e, em menos de vinte minutos, o presidente do Ibama publica sua decisão.
São "absolutamente legítimas" as preocupações dos técnicos, diz, mas a "alternativa indicada" pela diretoria é o "instrumento adequado para avaliação da exequibilidade do Plano".
Segundo especialistas em licenciamento ouvidos pela reportagem, é permitido aos superiores discordar das avaliações técnicas —que, afinal, são apenas recomendações.
A aprovação conceitual é estranha, dizem, e o procedimento de usar o próprio teste para aprovar o plano não é usual.
Para Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, a rejeição ao plano deveria automaticamente barrar os testes.
"Estamos diante da tentativa de justificar a continuidade de um empreendimento ambientalmente descartado por meio de simulação semântico-burocrática", diz.
"Em outras palavras, trata-se de fazer o impedimento desaparecer por meio de ilusória mudança de foco. A avaliação ambiental, ao que parece, está migrando do plano técnico-científico para incongruente conveniência política", conclui.


Tornar a dor em ação regenerativa é altamente profilático e recomendável. É preciso sair do imobilismo paralisante
O mundo, como o conhecemos, está se transformando. A percepção das mudanças climáticas faz com que comunidades em todo o mundo enfrentem a constatação de perdas de elementos naturais ou alterações substanciais em nossos ambientes construídos.
É natural que haja um sentimento de perda, da regularidade do clima e de tempos mais amenos e equilibrados; da segurança climática, para a qual havia maior previsibilidade, quando eventos extremos eram raros e muitas pessoas passavam toda a sua existência sem ter que vivenciá-los.
Há ainda uma perda de qualidade de vida decorrente do estado de intranquilidade gerado pela informação: sequenciais eventos registrados e socializados pela mídia demonstram os novos fenômenos globais.
A mudança do clima acaba por atingir o bem-estar das pessoas, de forma sensível, em todo o planeta. Especialistas estão denominando esse novo feeling global de luto ecológico.
Três tipos de perda têm sido citados: a perda ecológica física diante do desaparecimento, degradação ou extinção de espécies, paisagens e ecossistemas. Por exemplo, como resposta a eventos climáticos extremos agudos, como um furacão; e mudanças ambientais graduais, como, por exemplo, mudanças nos padrões climáticos.
Em segundo lugar, a perda do conhecimento ambiental anterior, no que se refere à ruptura de identidades pessoais e culturais que são construídas em relação às características e ao conhecimento do ambiente físico. Em terceiro lugar, a perda futura antecipada relacionada a espécies, paisagens, ecossistemas, modos de vida ou meios de subsistência.
Há mais um elemento a considerar: a capacidade, ou sensibilidade, de percepção sobre essas perdas. É notório o fato de que a urbanização nos isolou, mental e emocionalmente, de grande parte dos danos que os humanos infligiram à Terra. Esse isolamento é considerado pela psicóloga climática Steffi Bednarek como resposta emocional amplamente atrofiada ao desastre ecológico em massa, à sociedade que construímos.
A ideia é que muitos de nós nos divorciamos da natureza pelas forças do modelo econômico, do capitalismo, da industrialização e da urbanização. E, como resultado, Bednarek argumenta que estamos muito distantes para sentir afinidade com a grande diversidade de vida na Terra, grande parte da qual tem sofrido silenciosamente os efeitos das mudanças climáticas há décadas. Essa lacuna também pode ser considerada não como falta de conhecimentos dos fatos, mas como incapacidade de empatia, ou incapacidade de compaixão.
Essa parece ser uma crítica acertada e justa da condição moderna. Deve-se considerar que nosso habitat artificial, nossas cidades, são ecossistemas construídos que abrigam seres vivos e também estão se fragmentando devido à instabilidade de um clima alterado, com inundações, deslizamentos de terra e picos de calor extremo, por exemplo.
Para a maioria dos moradores da cidade, a maneira como experimentamos as mudanças climáticas não vem do colapso das formações naturais, mas dos danos à infraestrutura feita pelo homem que compõe nossos espaços urbanos e nossas vidas diárias. Quando essa infraestrutura é prejudicada ou destruída, seja pelo vento, pelo fogo ou pela inundação, ela altera nossos habitats – e isso também provoca uma intensa sensação de perda emocional e instabilidade.
“As cidades são ambientes mais extremos do que as áreas rurais no contexto das mudanças climáticas”, diz Brian Stone Jr., professor de planejamento e design ambiental urbano no Instituto de Tecnologia da Geórgia.
De acordo com sua pesquisa, os moradores da cidade tendem a ficar cara a cara com as mudanças climáticas por meio de episódios cada vez mais comuns: chuvas fortes trazem inundações regulares para uma determinada esquina; o metrô leve sai de serviço porque as altas temperaturas sobrecarregam as linhas de energia; uma seca de verão que mata as árvores que sombreiam um playground local. Para aqueles que dependem de todos esses componentes cotidianos da vida na cidade, cada um desses episódios “é muito mais ativador da consciência climática e potencialmente do luto do que uma grande plataforma de gelo se desprendendo da Groenlândia”.
Embora tenhamos construído nossas cidades como fortalezas contra as forças da natureza que as cercam, estamos aprendendo da maneira mais difícil que o concreto é vulnerável à ira provocada por uma atmosfera em aquecimento, aumento do calor, luta para absorver o excesso de água, rachaduras e desmoronamentos.
“Na verdade, não entendemos fundamentalmente que as cidades que construímos também fazem parte da natureza”, afirma o arquiteto australiano Adrian McGregor: “Nós as operamos, nós as gerenciamos e elas dependem de nós para mantê-las vivas. Mas, também, elas são o nosso maior habitat em que existimos. Atualmente, cerca de 80% da população do mundo vive em áreas urbanas”.
McGregor promove a teoria do “biourbanismo“, que vê as cidades como uma forma de natureza por si só. Essa estrutura é influenciada pelos geógrafos Erle Ellis e Navin Ramankutty, que desenvolveram o conceito de “antromes”, ou biomas antropogênicos, que são ecossistemas moldados pelo homem. Mas é menos provável que você veja o termo luto ecológico aplicado a uma estação de metrô inundada da cidade de Nova York .
Os cientistas relataram sentir choque e perda a cada retorno consecutivo à Grande Barreira de Corais, à medida que novas extensões de corais branqueiam e secam. Em todo o país mineiro dos Apalaches Centrais dos Estados Unidos, onde as montanhas foram reduzidas pela metade e as florestas são derrubadas para extrair carvão, a dor aparece na forma de condições de saúde mental diagnosticáveis.
É importante registrarmos como as comunidades estão lidando com a dor da perda. Exemplos nos remetem simbologia relacionada com perdas humanas, por exemplo, com a realização de ritos de funerais, como o funeral da geleira Ok de 2019 na Islândia, realizado por uma centena de pessoas que caminhou até a geleira e conduziu uma cerimônia que incluiu leituras de poesia e discursos.
Como você pode lamentar a perda de uma geleira – um recurso inacessível para a maioria da humanidade? A perda da beleza das geleiras é poderoso motivador para as pessoas perceberem a perigosa perda de identidade de estruturas que servem como marcos culturais importantes, como a geleira Ok para o povo da Islândia.
Embora os olhos de outras pessoas registrem impressões, filmem e fotografem, fornecendo uma riqueza de fontes para ver e perceber as geleiras, essas imensas massas muitas vezes permanecem intangíveis e estão geograficamente distantes. E, no entanto, é por causa de sua beleza e magnitude que seus desaparecimentos são sentidos por muitos. O mesmo sentimento pode se aplicar à contínua perda da Floresta Amazônica, ou de extensas áreas do Pantanal, no Brasil.
Há ainda um elemento necessário para reflexão, na busca de equilíbrio emocional para os atingidos pela percepção mais aguda dos impactos climáticos. Freud escreveu em 1917 um pequeno estudo sobre luto e melancolia, considerando o luto a perda de objeto que pode ser superada com o tempo, porém destaca que a melancolia traz em si a perda do próprio eu, comprometimento do ego que nos leva a refletir sobre como lidar com este impacto climático, principalmente sobre os mais vulneráveis e susceptíveis.
Em 2017, a American Psychological Association publicou um relatório de setenta páginas sobre saúde mental e mudanças climáticas que delineou “impactos, implicações e orientações” para o sofrimento ecológico. Um ano depois, uma pesquisa nacional descobriu que quase 51% dos americanos se sentem “enojados” ou “desamparados” com o aquecimento global.
O filósofo Glenn Albrecht desenvolveu um vocabulário para descrever a experiência emocional de viver durante as mudanças climáticas: Solastalgia, que descreve como uma saudade nascida da observação da degradação ambiental crônica do seu ambiente; Tierratrauma refere-se à dor aguda de testemunhar ambientes em ruínas, como uma floresta desmatada ou um riacho cheio de lixo. A base do trabalho de Albrecht é que os humanos estão fundamentalmente conectados aos nossos ambientes naturais e sentimos dor quando eles são danificados.
Dessa forma, não é nenhum exagero dizer que viver nos dias das mudanças climáticas significa viver na era do luto ecológico e que este pode se transformar, ou potencializar aspectos patológicos e existenciais.
A perda ambiental extrema, por sua vez, leva a um aumento do custo emocional que inclui tristeza, ansiedade e novos fenômenos psicológicos, reconhecidos como “solastalgia”, o sentimento de saudade de um lugar que ainda habita e que agora se encontra, porém, drasticamente alterado. Uma saudade da condição anterior.
Solastalgia tornou-se um dos termos-chave usados para descrever o esmagador custo emocional da perda ambiental, que pode perfeitamente ser aplicada ao contexto do Furação Katrina em New Orleans ou ao desastre avassalador das chuvas que ocorreram no Rio Grande do Sul, em 2023 e 2024.
Em 2020, a BBC publicou um artigo sobre luto climático, destacando a necessidade de desenvolver um novo vocabulário para ecoansiedade, como “ansiedade da neve” ou “luto do inverno” em referência a emoções específicas do lugar. Uma rápida pesquisa no Google produzirá centenas de artigos sobre ecoluto de fontes de notícias em todo o mundo, incluindo jornais locais, institutos de pesquisa e plataformas de mídia nacionais.
O luto psicológico climático pode também ser considerado como aguda percepção do problema a ser enfrentado, portanto com potencial de elemento propulsor das pessoas para a ação.
A cobertura extensiva da mídia, juntamente com fotos de catástrofes – os tipos de fotos e manchetes que atraem cliques –, podem facilmente fazer as pessoas se sentirem paralisadas por uma sensação avassaladora de pavor. De outro lado potencializam ações propositivas que auxiliam na superação da dor do luto, como afirma Catherine Bruns, pesquisadora em Estudos de Comunicação da Universidade de Minnesota-Twin Cities, enfatizando a oportunidade valiosa para divulgar os elementos naturais que ainda sobrevivem, concretizar o que está em jogo e definir formas de proteger remanescentes, por meio de ações pragmáticas de exigência social transformadora.
“Se a cobertura da mídia sobre as vítimas climáticas direcionasse consistentemente os leitores a doar para organizações sem fins lucrativos de justiça climática, assinar petições para fortalecer a legislação ambiental ou participar de protestos políticos, não apenas faríamos progressos mais rápidos no combate às mudanças climáticas, mas também reduziríamos nossa própria ansiedade climática ao longo do caminho”, explica Bruns.
Pessoas buscam abrigo contra o calor no centro de resfriamento da First Church UCC em meio à pior onda de calor já registrada em Phoenix, Arizona (EUA), em 25 de julho de 2023. Embora Phoenix enfrente períodos de calor extremo todos os anos, em julho foram 26 dias consecutivos de temperaturas atingindo 43°C graus ou mais, um novo recorde em meio a uma onda de calor de longa duração no sudoeste do país. O calor extremo mata mais pessoas do que furacões, inundações e tornados combinados em um ano médio nos EUA. Foto: Mario Tama / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP.
Janet Lewis, psiquiatra e membro fundador da Climate Psychiatry Alliance, comentou em entrevista ao GlacierHub que para que as pessoas lidem com informações relacionadas às mudanças climáticas, é importante entender que estão inseridas em contexto maior. O que nos ajuda a suportar os sentimentos difíceis para pensar com clareza e agir. “É importante ser capaz de afirmar as maneiras pelas quais continuamos a fazer parte de algo maior, mesmo quando estamos perdendo muitas coisas e as relações com essas coisas”, afirma.
À medida que o mundo continua a sofrer perdas ambientais inevitáveis, os rituais de luto ecológico podem se tornar uma rotina comum, proporcionando espaço para as pessoas lidarem com o novo fardo emocional de um mundo em rápida mudança. Torná-los públicos por meio da cobertura da mídia pode multiplicar ainda mais seu impacto, conscientizando populações em risco, que estão passando por perdas extremas no presente, promovendo uma resposta que une empatia e ação.
Organizações como a Solutions Journalism Network estão lidando com questões urgentes sobre como os jornalistas podem adotar uma abordagem baseada em soluções para a cobertura da imprensa. Uma placa erguida no funeral da geleira OK alerta os presentes sobre as consequências da inação: “Este monumento é para reconhecer que sabemos o que está acontecendo e o que precisa ser feito.” Os meios de comunicação foram rápidos em captar a mensagem da placa e as fotos logo se tornaram virais, garantindo que o público global entendesse o funeral não apenas como um ritual de luto, mas um terrível e contemporâneo apelo à ação.
Embora tais funerais representem realidade trágica, eles também têm um imenso potencial – uma oportunidade para as pessoas se unirem em um momento de luto antes de retornar à tarefa urgente: superar pela ação o sofrimento visando garantir que nosso relacionamento com o meio ambiente seja mais proativo e não se torne uma série de funerais que se repetem.
Para aqueles que sofrem de ansiedade climática, tornar a dor em ação regenerativa é altamente profilático e recomendável. Para tanto será preciso transmutar o sentimento de desamparo diante da fúria do clima em protagonismo regenerativo.
É preciso sair do imobilismo paralisante e quebrar as resistências econômicas nocivas. É preciso promover educação sobre mudanças climáticas visando capacitação e adoção de novas estratégias de enfrentamento, a utilização de meios de intervenção na realidade para superação do desgaste psicológico, seja por meio de terapias convencionais, específicas, de ampliação da consciência sobre a problemática real em busca das melhores soluções para o problema.
Alimentar essa transição deve obrigatoriamente fazer parte das ações governamentais para capacitar a sociedade e aumentar sua resiliência e a capacidade de exigência social transformadora, o que poderá resultar em um salto civilizatório para um mundo com empatia ecológica, com perspectivas de prioridades mitigadoras e adaptativas voltadas à sustentabilidade em seu sentido mais profundo: a sobrevivência.


Com as emissões atuais, que indicam um aumento médio de +3ºC até o fim do século, queimar florestas é queimar o futuro. A seca da Amazônia e as queimadas do Pantanal reiteram, cada vez mais, o colapso que se manifesta
por Carlos Bocuhy
A relação entre os efeitos das queimadas e o aumento da temperatura global está se consolidando. A devastação das florestas é percebida no cômputo global das emissões e as consequências impressionam os próprios cientistas.
Segundo preprint do estudo que aponta o declínio do sumidouro de carbono terrestre em 2024, conduzido pelo climatologista Philippe Ciais, do Laboratório de Ciências do Clima e do Meio Ambiente (LSCE) da Universidade de Paris, as florestas e solos absorveram entre 1,5 bilhão e 2,6 bilhões de toneladas de CO2 em 2023, muito pouco quando comparados aos 9,5 bilhões de toneladas em 2022. Em parte, isso se deve à seca na Amazônia e incêndios no Canadá e na Sibéria.
Ciais não esconde a preocupação, mesmo antes de computar os dados das queimadas de 2024, que já apresenta devastação de 17 mil hectares só no Acre. Ele antecipa: "Se esse colapso ocorrer novamente nos próximos anos, corremos o risco de ver um rápido aumento de CO2 e mudanças climáticas além do que os modelos preveem".
Em abril de 2023 escrevi um artigo com o professor Luiz Marques, da Unicamp, apontando que os elementos que provocam o aquecimento global poderiam estar sendo subestimados.
Afirmávamos que, segundo vários autores, as florestas degradadas têm absorvido menos CO2 do que anteriormente. Elas se tornaram por vezes neutras ou mesmo fontes de CO2, dada sua menor produtividade primária líquida e sua maior mortalidade. Ou seja, havia elementos não contabilizados oficialmente nas emissões dos países.
Isso explicaria a existência de um aumento significativo e não previsto do aquecimento global. Portanto, as informações enviadas ao IPCC para a modelagem climática apresentavam números questionáveis.
Afirmávamos ainda que “um preceito básico da ciência é o de que só se pode conhecer, prever e, portanto, gerir o que se pode medir. Os países não estão notificando corretamente à ONU as mensurações de suas emissões líquidas antropogênicas”. E concluímos: “Não é de admirar, assim sendo, que o aquecimento global esteja ocorrendo agora a uma velocidade superior à prevista pelas projeções”.
A perda de retenção de carbono, temida por Philippe Ciais para 2024, já é perceptível no Brasil. A seca da Amazônia e as queimadas do Pantanal reiteram, cada vez mais, o colapso que se manifesta por “uma procissão de eventos extremos mortais que atingiram todos os continentes”, como afirma o Le Monde. “O ano de 2023 experimentou aumento acentuado na concentração de CO2 na atmosfera em relação a 2022 (+86%), um recorde desde que as observações começaram em 1958”.
Mesmo diante deste cenário, nem os vorazes petroestados, nem as gigantes empresas produtoras de petróleo e gás, nem o agronegócio predador sinalizam transformações significativas para a sustentabilidade. Os governos, preocupados em ampliar o PIB, só demonstram inação, enquanto os setores predadores aumentam o marketing de climate washing.
O rompimento da capacidade de suporte do planeta continua a crescer. As consequências surgem, diluídas em eventos extremos registrados em noticiários esparsos. A realidade demonstra que a possibilidade da humanidade de reagir ao caos fica mais e mais distante.
A incapacidade de reação, na história humana, está registrada em eventos incontroláveis, naturais ou não. “O navio começou a inundar com água entrando a uma taxa estimada de sete toneladas por segundo, quinze vezes mais rápido do que as bombas conseguiriam retirar”, afirma a perícia que visou elucidar as causas do rápido afundamento do Titanic em menos de 3 horas depois de sua colisão com o iceberg.
Assim é com o equilíbrio natural. A capacidade dos sumidouros de carbono mantém, ainda que de forma insuficiente, preciosa sustentação climática para que essa não dispare diante da contínua saturação atmosférica por gases efeito estufa. Absorvem quase metade das emissões humanas – com proporção de absorção de 25% para oceanos e 20% para a terra.
A diminuição da eficácia desses ecossistemas vitais para o equilíbrio climático faz grande diferença para as previsões do aquecimento global que orientam acordos internacionais para a redução das emissões de gases estufa. Permitem antever cenários orientadores e estabelecer políticas públicas para mitigação e adaptação aos efeitos das alterações climáticas.
Essas lacunas de dados nos fazem questionar qual é a real fragilidade do equilíbrio climático e nossa capacidade e eficiência em comunicar os riscos envolvidos.
O desafio, maior do que se previa, exigirá medidas eficazes para a transformação dos setores responsáveis pela degradação florestal, com destaque para o agronegócio predador.
A mais nobre das atividades econômicas, que provê alimentos para a sustentação da vida humana, não pode ceder espaço para a ambiciosa voracidade que tem contribuído para a criminosa devastação das florestas do Brasil.
Os discursos retóricos destes setores econômicos revelam uma estratégia antiambiental. O recente estudo “Os Novos Mercadores da Dúvida”, publicado pela Changing Markets Foundation, afirma: “Os gigantes das indústrias do setor pecuário usam estratégias para distrair, atrasar e inviabilizar ações significativas sobre as mudanças climáticas”. O estudo compara as atuais estratégias do setor a métodos já utilizados pela indústria do fumo e do petróleo.
A pecuária é responsável por 16,5% das emissões globais de gases de efeito estufa e 32% de todo o metano causado pela ação humana. Das 22 empresas transnacionais investigadas pela CMF, a maioria não tem iniciativas eficazes para mudar seu processo de produção e se concentram no crescimento de mercado que já possuem.
Segundo o estudo, o setor fomenta ao menos sete grupos internacionais que utilizam mídias sociais para influenciar jovens, usando TikTok, YouTube, Instagram e outros meios, na tentativa de convencer que os alimentos produzidos pelo setor são os mais “saudáveis”, enquanto sua produção continua a provocar fortes impactos ambientais globais.
Esses fatos demonstram a dificuldade de se obter respostas proativas e a colaboração dos setores econômicos mais responsáveis pela devastação climática, cuja reticência é, na verdade, uma tremenda deseconomia para a humanidade e para o próprio setor.
A sociobioeconomia, com o uso das florestas em pé, pode ser mais lucrativa do que as economias convencionais que contribuem para o desmatamento na Amazônia. Segundo afirma o climatologista Carlos Nobre, do INPE, “as pastagens requerem de 1 a 2 trabalhadores por 100 hectares e geram lucro de US$ 50 a US$ 100 por hectare ao ano. O cultivo da soja requer até 1 trabalhador por 100 hectares e tem um lucro de US$ 100 a US$ 300 por hectare ao ano. Por outro lado, a gestão de sistemas agroflorestais e a colheita de muitas dezenas de produtos florestais não-madeireiros requerem de 20 a 40 trabalhadores por 100 hectares e têm lucro de US$ 300 a US$ 700 por hectare por ano…”
Philippe Ciais não está otimista. Teme que os sumidouros terrestres continuem a diminuir no longo prazo, à medida que o aquecimento aumenta a frequência e a intensidade das ondas de calor, secas e incêndios, impactos agravados pelo desmatamento.
Por sua vez, Josep Canadell, do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC), afirma: "Os modelos climáticos não conseguem capturar essas dinâmicas extremas e as reações dos sumidouros de carbono terrestres. Portanto, é possível que vejamos um aumento nas emissões além das previsões, o que levaria a temperaturas mais altas no futuro”.
É preciso reverter o processo diminuindo emissões e revegetando o planeta. Considerando que as emissões atuais apontam para aumento médio de aproximadamente + 3ºC para o final do século, continuar a queimar florestas representa incinerar o futuro.


Estratégias discretas, mas eficazes, ameaçam a sustentabilidade e a transparência das políticas ambientais globais
- por Carlos Bocuhy
- Fahrenheit 451, clássico da literatura de Ray Bradbury, é um mergulho nas possíveis distopias da censura extrema. Sua ficção retrata o receio das culturas humanas de que, em função de regimes totalitários ideológicos, se destruam ideias e dados que possam representar fonte de questionamento ao establishment.
Bradbury escreveu sua obra em reação ao macartismo. Estava preocupado não com simbólicos livros incendiados, mas com novos meios trazidos pela tecnologia, como a televisão, a web de uma via dos anos 60.
O recente apagão cibernético sofrido pelos sistemas globais demonstra fragilidade e dependência de fontes únicas, sem elementos recursais, onde falhas representam efeitos avassaladores para sistemas globalizados.
Se Bradbury tivesse presenciado fake news se alastrando pela web, perceberia que sua ficção estaria mais próxima da realidade no limiar do século XXI, no backlash (retrocesso) que resiste aos avanços ambientais, onde a queima de ideias e dados se vê substituída pela contrainformação, estratégia amplamente utilizada em estado de guerra, incluso a fria.
Em 2018, diante dos discursos pré-eleitorais incendiários de Donald Trump, houve intensa mobilização de setores científicos reunidos na biblioteca da Universidade da Pensilvânia, preocupados com a proteção de dados, como por exemplo o histórico registro da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) sobre o derretimento do gelo nas calotas polares decorrente das mudanças climáticas e dados sobre fábricas e usinas de energias que mais emitem gases efeito-estufa.
O temor era de apagão de dados, provocado por possíveis excessos do poder estatal, que poderia arbitrar em manter ou não arquivos em sites públicos, como bancos de dados de instituições governamentais.
Um artifício já utilizado tem sido a vacância de dados com o interregno sem fim das supostas atualizações de plataformas digitais, ou a decretação de sigilo impedindo visualizações externas ao sistema, o que é absolutamente questionável. Isso ainda ocorre com processos do Ibama.
Há realmente riscos no cenário norte-americano? Seria possível silenciosamente desmantelar dados e informações disponíveis sobre poluição e mudanças climáticas, que estejam servindo de subsídios para refrear interesses econômicos expansionistas?
O perigo é real. Mas não só para perda de dados. Fato similar foi retratado em matéria recente da CartaCapital, com relação ao extravio de arquivos do Ministério do Meio Ambiente entre 2019 e 2022, enquanto o site da pasta migrava de endereço. Nem tudo foi recuperado.
Um governo ideológico antiambiental consegue transbordar seu poder discricionário; substituir dirigentes técnicos, em cargo de chefia, por acólitos e, em curto espaço de tempo, desmantelar a normativa infralegal por meio de novos decretos, resoluções, portarias etc. Essa história o Brasil conhece de passado recente, de situações protagonizadas durante a gestão de Jair Bolsonaro.
Interessante é perceber que nem todo o desmantelamento normativo foi recuperado pelo atual governo, prova que as influências econômicas se perpetuam com facilidade nas esferas do poder.
O extrapolamento do poder discricionário frequentemente utiliza a roupagem da modernização, medidas que se apresentam difusas e diante dos quais muitas vezes patina o próprio poder judiciário.
Assim, tem sido possível manter um estado de coisas inconstitucional, como já afirmou a ministra Carmen Lúcia do STF, por longos períodos, até que a devastação comece a se materializar. A ministra apontou diminuição orçamentária para o meio ambiente de 2023 para 2024 e que o Brasil ainda está com índices aquém dos compromissos internacionais firmados. “Estou convencida de que isso [refere-se à proteção do meio ambiente] não é política de governo, é política de Estado. Acho que o Brasil não pode ficar a cada governo tendo um soluço antidemocrático ambiental”, afirmou.
Os atos do Conama caminharam, na gestão Bolsonaro, para a “revisão” da proteção das restingas, simplesmente eliminando-a, para alegria da especulação imobiliária. Também no sucateamento e suspensão dos mecanismos operacionais do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), retirando de campo fiscalização e relativizando meios coercitivos de destruição de maquinários utilizados para a prática de crimes ambientais, assim como a perda de mecanismos econômicos para penalização, como multas etc., que fizeram a festa de desmatadores, grileiros e do garimpo ilegal.
Mas é preciso atenção para a mudança dos métodos. Não se necessita da alta temperatura para incinerar, como os 233ºC equivalentes à tabela Fahrenheit 451, calor suficiente para fulminar papel. Basta colocar as instituições ambientais em banho-maria.
Com banho-maria é possível, por meio de canetadas lastreadas em poder discricionário, neutralizar mecanismos de controle social, como conselhos que exercem papel regulamentador e conferem transparência aos atos estatais.
Conselhos podem ser mantidos por longos períodos mergulhados em percepção ilusória de participação social, apesar do sofrível e ineficaz estado minoritário da sociedade civil, onde nada acontece que não seja de interesse governamental.
Nessas circunstâncias, setores preocupados com a boa administração ambiental também precisam mapear manipulações como competências setoriais deslocadas para áreas de gestão pouco afins como, por exemplo, a Agência Nacional de Águas (ANA) sediada no Ministério de Integração Nacional e do Desenvolvimento Regional.
É preciso especial atenção aos setores mais estratégicos da economia. Se há necessidade de controle social voltado à sustentabilidade, é imprescindível rastrear e analisar frequentemente os caminhos da economia, os fluxos econômicos do PIB.
Nessas áreas o banho-maria ambiental é customizado para acalmar os ambientalmente despreparados. A velha política do business as usual há muito atingiu meios de sobrevivência em capacidade de engodo. Retorna ano a ano cada vez mais experiente, tornando possível “camaleonar” interesses de extrema direita em roupagem de esquerda, ou selvageria econômica em transições ilusórias para lugar nenhum.
Por exemplo, é possível observar os avanços anunciados para a melhoria da qualidade do ar no Brasil, apesar das populações continuarem em estado de insalubridade. Basta colocar o foco no resultado, sinalizando com alarde a meta segura e desejável que pretende ser atingida na metade do século.
Faz de conta como este foi detectado pela ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge: “Estão em jogo dois bens essenciais à vida: a saúde e o meio ambiente. Com efeito, qualquer regramento que não garanta a extensiva e eficaz proteção a esses direitos não estará sob a guarda da nossa ordem constitucional”.
Os riscos de climate washing continuam presentes nesses tempos de mudança climática. A formulação incompleta das práticas ESG, a falta de cuidados para eficácia dos mecanismos Redd (Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal), a ausência de controle e participação social no planejamento governamental, a falta de conteúdo ambiental/climático para planos diretores municipais, a descentralização de forma despreparada e irresponsável do licenciamento ambiental estão entre tantas outras áreas que devem evitar as águas mornas do banho-maria ambiental.
É preciso, especialmente, observar os planos de transição energética anunciados com alarde, porém sem metas nem prazos, lastreados em recursos provenientes de contraditória intensificação da extração petrolífera. O pior dessa situação 'faz de conta' é que ocorre em estado de emergência climática, o que desnuda o banho-maria ambiental e demonstra o que realmente ele é: estado fantasioso que simula ações para acobertar e manter interesses de sempre, com meios ilusórios, em absoluta ineficácia da governança ambiental e climática.
Se, por um infortúnio do destino, Donald Trump voltar à Casa Branca, ele trará na bagagem melhor compreensão das vulnerabilidades do sistema, acólitos antiambientais e facilitadores mais dispostos para implementar agenda mais focada na destruição dos requisitos ambientais.
Não podemos nos iludir. O crescente banho-maria ambiental que vem se instalando no Brasil também poderá corroer, em médio prazo e em igual proporção, a área ambiental brasileira.


Para pensar de forma ancestral, o Brasil terá que abandonar nocivas ilusões petroleiras e a destruidora ambição do agronegócio predador
15 de julho de 2024
A nação-ilha de Vanuatu, na Oceania, será uma das primeiras a desaparecer com a elevação do nível do mar. Foto: Vanuatu Tourism Office
Carlos Bocuhy
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam) →
O professor de filosofia na Universidade de Georgetown, Olúfémi Táíwò, afirma que só iremos trilhar o caminho da sustentabilidade planetária se pudermos pensar como os ancestrais.
A inversão cronológica de Táíwò reveste de responsabilidade ancestral o presente, com vistas ao futuro e às futuras gerações. Problematiza a sustentabilidade a partir de novos pensamentos sobre obstáculos hoje existentes, de forma a “descobrir algumas dimensões desconhecidas de problemas antigos”.
“O fio unificador é suprido por um impulso humanista fundamental que volta esse princípio para questões de justiça, equidade e afirmação da dignidade humana”, afirma.
Os prognósticos climáticos são, por vezes, aterradores. Por exemplo, as populações que teriam seu território completamente destruído, com o desaparecimento dos países insulares diante da elevação do nível do mar em decorrência da mudança climática. Um cordel de tantas gerações que se veem privadas de futuro.
A lógica professada por Tàíwò nos remete à clareza ancestral contida na defesa da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS), que vem sendo liderada pela pequena nação Vanuatu, arquipélago de ilhas no Pacífico Sul, próximo à Nova Zelândia.
As nações da AOSIS deram início à lógica da reparação por perdas e danos há mais de 30 anos, durante os primeiros encontros climáticos globais. Propuseram que os mais afetados pelas mudanças climáticas deveriam receber financiamento e apoio dos países que mais emitiram Gases Efeito Estufa (GEE), mudando o clima. O que a demanda dos AOSIS gerar de resultados poderá, quem sabe, impulsionar esforços para a dificílima manutenção da temperatura global.
Vanuatu significa “nossa terra para sempre”. É considerado o país com maior índice de felicidade do mundo, de acordo com o Happy Planet Index. “A felicidade é apenas uma consequência de quão respeitosos somos com a natureza, em como gerenciamos a terra, em como gerenciamos a água”, afirma Marcel Merthelorong, romancista local. (Vanuatu, o país sempre à beira do desastre que é um dos mais felizes do mundo – BBC News Brasil)
Vanuatu e seus pequenos países associados estão pensando e agindo como os ancestrais. Sua proposta nas cúpulas globais tem sido coerente e lúcida. Tem atravessado épocas de diferentes intensidades diplomáticas.
No limiar dos anos 90, quando celulares eram do tamanho de tijolos e notebooks pesavam como paralelepípedos, o mundo estava em ebulição política e cultural. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas nasceu em 1988, mesmo ano em que o Brasil sacralizou, em sua Constituição, o pensamento ancestral como salvaguarda do futuro: o dever de todos para garantir o meio ambiente equilibrado para as atuais e futuras gerações.
Em fevereiro de 1991, em Chantilly, na Virgínia (EUA), começou a surgir o pacto climático global. O local isolado foi escolhido por George Bush para manter afastada a forte pressão das ONGs, conforme relatou Philippe Sands, advogado da delegação da pequena Santa Lúcia.
Nesse espaço, Vanuatu firmou-se como liderança entre os Estados insulares ameaçados pela mudança climática. A clareza de sua proposta sobre perdas e danos persiste nas atuais conferências climáticas, tendo sido instituído como fundo (em que pese com recursos muito aquém do necessário) durante a COP28 de Dubai, visando prevenir consequências das mudanças climáticas que vão além da capacidade de adaptação.
Quando olhamos sob a mesma ótica a destruição que se abateu sobre o Rio Grande do Sul – especialmente diante das constatações do World Weather Attribution (WWA) de que a mudança climática provocada pela ação humana contribuiu para dobrar o risco de ocorrência do evento extremo de chuvas na região – percebemos que a luta de Vanuatu deve ser encampada fortemente pelo Brasil.
Obviamente isso implicará melhores respostas para evitar queimadas e eliminar combustíveis fósseis da matriz energética, situações que ainda não contam com integral vontade política do atual governo, diante das ambições por petróleo e gás, e a sanha do agro-PIB devastador, interesses antagônicos à sustentabilidade.
Não resta dúvida de que o fluxo econômico no Brasil tem demonstrado tendências de, prioritariamente, atender expectativas políticas de governos e da espoliação insustentável do território, inadequado para abordar questões de equidade e garantir as futuras gerações. Dessa forma, a atual postura brasileira divorcia-se dos princípios protetivos constitucionais e demonstra ser insuficiente para exercer o perfil ético necessário para conter a ganância predatória dos petroestados e das Oil Sisters.
Vinte corporações, como Chevron e ExxonMobil, e países como China e Arábia Saudita são responsáveis por 60% de todas as emissões acumuladas de carbono. Há dados, inclusive colhidos por tribunais, de que os líderes da indústria de petróleo e gás sabiam, desde pelo menos 1982, que as mudanças climáticas são impulsionadas por suas atividades, quando os próprios pesquisadores da Exxon ajudaram a vincular as emissões de carbono ao aumento das temperaturas. Conscientemente tomaram decisões que levaram a essa crise.
As digitais da responsabilidade sobre mudanças climáticas é difusa, mas sua proporcionalidade possui comprovação científica, apesar da recusa dos países e corporações responsáveis em assumir compromissos na reparação de perdas e danos.
O maior desafio humanitário que já existiu está posto à mesa de um desarticulado multilateralismo global. Espera-se por processo regenerativo, o que exigirá senso ético diante das crescentes injustiças a que estão sendo submetidas especialmente as populações mais vulneráveis.
É preciso ressaltar o modus operandi dos petroestados e das corporações de combustíveis fósseis, o que por vezes se vislumbra também dentro do próprio governo brasileiro.
Segundo pesquisa do conceituado think tank Influence Map – InfluenceMap (Como a indústria do petróleo tem sustentado o domínio do mercado através da influência política -), a cartilha para se opor às alternativas aos combustíveis fósseis possui método bem definido e passa, essencialmente, por três linhas de argumentação, reconhecidas como uma espécie de negacionismo orquestrado: ceticismo em relação à solução, que lança dúvidas sobre a eficácia das fontes alternativas de energia, enfatizando incertezas para dar sobrevida aos combustíveis fósseis; neutralidade política, que defende direitos de escolha do consumidor, soluções de mercado e baixa intervenção governamental, o que enfraquece políticas públicas; e acessibilidade e segurança energética, que questiona custos e viabilidade da transição, não importa o quanto seja importante para a humanidade.
A lógica do lobby é inversa à responsabilidade ancestral proposta por Tàíwò e defendida por Vanuatu e seus parceiros ameaçados de desaparecimento. Defende falsas premissas para garantir a continuidade da matriz fóssil, semeando incertezas e defendendo uma inaceitável sobreposição de escolhas individuais e econômicas aos direitos fundamentais de vida para os seres vivos. Um verdadeiro estado de saque ao presente e o sacrifício do futuro, mesmo quando o clima já apresenta sinais de convulsão.
A Conferência Climática COP29 ocorrerá no Azerbaijão em novembro deste ano. Discutirá, de forma prioritária, o financiamento climático. O Brasil chegará à conferência de Baku levando na bagagem os desastres de Petrópolis (RJ), São Sebastião (SP) e do Rio Grande do Sul, da biodiversidade do Pantanal, seca na Amazônia, fragilização dos Rios Voadores e episódios de calor extremo, entre tantos outros impactos.
O maior desafio humanitário que já existiu está posto à mesa de um desarticulado multilateralismo global. Espera-se por processo regenerativo, o que exigirá senso ético diante das crescentes injustiças a que estão sendo submetidas especialmente as populações mais vulneráveis.
Para pensar de forma ancestral e honrar suas vítimas, o Brasil terá que alinhar-se à pequena Vanuatu e suas propostas humanitárias, abandonando nocivas ilusões petroleiras e a destruidora ambição do agronegócio predador.


artigo por Carlos Bocuhy para CartaCapital
A tragédia climática prevista pelos cientistas não está mais no futuro. Já chegou (Foto: AFP)
A Organização Meteorológica Mundial, ligada à ONU, acaba de alertar para a continuidade do aumento da temperatura global, em que pese a influência do El Niño estar diminuindo.
“No final de maio, mais de 1,5 bilhão de pessoas -- quase um quinto da população do planeta -- suportaram pelo menos um dia em que o índice de calor superou 103 graus Fahrenheit, ou 39,4 graus Celsius, o limite que o Serviço Nacional de Meteorologia considera fatal”, informou o Washington Post.
Kristie Ebi, epidemiologista do Centro de Saúde e Meio Ambiente Global da Universidade de Washington, coletou dados dos eventos de calor extremo que atingiram a Nigéria, Tailândia, Vietnã, índia, Angola e Paquistão. “Quando uma onda de calor chega, a mortalidade começa a aumentar após cerca de 24 horas, já que as pessoas incapazes de se refrescar à noite começam a perecer”.
Segundo Kristie, metade de todas as mortes relacionadas ao calor são causadas por problemas cardiovasculares. "O coração realmente não gosta de esquentar", disse.
Leia mais: O que o calor extremo faz com o corpo humano
No cenário global, os relatos são assustadores. Segundo artigo de Harry Stevens, para o Washington Post, em abril uma fábrica de munições explodiu devido ao calor extremo na Ásia matando os trabalhadores; no México macacos bugios caíram mortos de árvores em função do calor; e no Brasil os impactos climáticos da intensa e concentrada precipitação de chuvas sobre o Rio Grande do Sul impactou milhões de pessoas.
O conjunto desses eventos traz a constatação de que a tragédia climática, prevista pelos cientistas, não está mais no futuro, já chegou. Também sinaliza que não estamos preparados para enfrentar essa realidade e vamos ter que conviver, em nossas vidas, neste plano incerto para o qual não existe referencial histórico, mergulhados no que está se definindo como uma era de incerteza radical.
Essa constatação traz forte potencial de desestabilização emocional, mesmo para os que são iniciados na compreensão do problema climático. Durante uma conferência em Cingapura, a climatologista mexicana Ruth Cerezo-Mota ouviu explicações de colegas especialistas sobre a conexão entre o aumento da temperatura global e os impactos climáticos como ondas de calor, incêndios, tempestades e inundações. “A previsão não era para o final do século, mas para hoje”, afirma Cerezo-Mota, que entrou em depressão. Segundo ela, “é quase impossível não se sentir desesperada e quebrada".
Não é para menos. A expectativa atual da pesquisadora é que o mundo atinja 3ºC até o final do século. Cerezo-Mota vai além: "Acho que 3ºC é cenário esperançoso e conservador; 1,5ºC já é ruim, mas acho que não tem como a gente se ater a isso. Não há nenhum sinal claro de nenhum governo de que realmente vamos ficar abaixo de 1,5ºC."
A desesperança de Cerezo-Mota é compartilhada por centenas de especialistas do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), que foram entrevistados pelo jornal britânico The Guardian. A grande maioria acredita que a temperatura chegará em + 2,5ºC ou + 3ºC e apenas 6% acreditam que a meta de 1,5ºC do Acordo de Paris será cumprida.
Uma das questões que tem abalado os cientistas é a incapacidade dos governos de ouvir a ciência apesar das evidências fornecidas, o que os deixa, segundo relatos da pesquisa do The Guardian, “desesperados, furiosos e assustados”.
O insucesso e suas causas ficam cada vez mais claros. 75% dos especialistas citam falta de vontade política e 60% culparam interesses econômicos como os da indústria de combustíveis fósseis. "A resposta do mundo até agora é condenável – vivemos em uma era de tolos," disse um cientista sul-africano, que preferiu não ser identificado.
“Entendemos que relatos como esse podem levar a um sentimento de desespero. No entanto, como alguns cientistas apontaram, a esperança está em garantir que nos mantenhamos bem-informados, assim como as próximas gerações, para que possamos pressionar aqueles que estão no poder a tomar decisões que beneficiarão nosso planeta”, esclarece a posição editorial do The Guardian.
A população global começa a sofrer de perda de qualidade de vida com a percepção desta nova era de instabilidade. O termo ecoansiedade há anos está nos consultórios e em pauta na Sociedade Americana de Psiquiatria.
Em matéria sobre clima e saúde mental, a revista Nature já apontava, em 2021, que, “em pesquisa com 10.000 pessoas de 16 a 25 anos em 10 países, quase 60% dos entrevistados estavam altamente preocupados com as mudanças climáticas, e mais de 45% disseram que seus sentimentos sobre as mudanças climáticas afetaram suas vidas diárias, como sua capacidade de trabalhar ou dormir”.
Levar uma geração inteira à percepção dos riscos que corre realmente poderia fazer uma grande diferença como elemento de controle social sobre tomadores de decisão. Nesse sentido, não resta a menor sombra de dúvida de que a humanidade deveria deixar os relatos de frio consenso do IPCC para mergulhar nas vivências e perspectivas dos cientistas que o compõem, esses humanos estudiosos que têm lidado, mais amiúde, com o dia a dia das cúpulas climáticas – e têm sido os grandes responsáveis por fornecer subsídios técnicos para o estabelecimento das metas climáticas.
Matthew Huber, especialista em paleoclimatologia da Purdue University, após a onda de calor extremo de 2023, afirmou: “Enfrentamos isso como cientistas há décadas, mas agora o mundo está passando pelo mesmo processo, que é como os cinco estágios do luto”, disse ele. "É doloroso ver as pessoas passarem por isso".
Leia mais: Cientista que soou o alarme climático nos anos 80 alerta para o pior por vir
A ONU deveria urgentemente acatar as propostas levantadas por pesquisadores da Organização Mundial da Saúde (OMS) para que o Acordo de Paris abra um novo capítulo visando prevenir e atender os impactos psicológicos que as mudanças climáticas estão exercendo sobre a população.
Um dos principais aspectos para a construção de uma política de saúde mental, específica para a adaptação climática, implicará tornar o problema visível. Considerando que a doença mental já é subdiagnosticada e estigmatizada, e que os cuidados de saúde mental na maioria dos países são insuficientes, os impactos crescentes das alterações climáticas tornam ainda mais urgente a resolução dessa crise já instalada.
Um dos aspectos mais interessantes deste processo é a constatação de que a inação dos líderes mundiais é causa de angústia – e a ação dos governos é o que é necessário para acalmá-la.
Os que não tomarem as medidas necessárias tenderão a ser alvo de processos judiciais. Recentemente, por maioria de dezesseis votos contra um, a Comissão Europeia de Direitos Humanos (CEDH) concluiu que havia ocorrido violação do direito ao respeito pela vida privada e familiar. Condenou o Estado da Suíça, reconhecendo o artigo 8.º, que consagra o direito a uma proteção efetiva, por parte das autoridades estatais, contra os graves efeitos adversos das alterações climáticas na vida, na saúde, no bem-estar e na qualidade de vida.
Situações similares estão em curso em todo o planeta. Segundo o Relatório Global de Litígios Climáticos, até o final de 2022 foram registrados 2.180 casos em tribunais internacionais e judiciais. “Crianças e jovens, grupos de mulheres, comunidades locais e povos indígenas, entre outros, estão assumindo um papel proeminente na divulgação desses casos e impulsionando a reforma da governança das mudanças climáticas em cada vez mais países ao redor do mundo”, afirma o relatório.
De outro lado, a ONU tem feito fortes apelos para o estabelecimento de sistemas de Alerta Precoce, estimulando os países-membros a adotarem metodologia alerta-resposta até 2027. Essa iniciativa possibilitaria instruir a sociedade sobre os riscos que está correndo e capacitá-la para adotar respostas eficientes.
Mas ainda seguimos no contexto da velha política fóssil e do business as usual. Alertas são insuficientes, não considerados, sem contar com capacidade social de resposta; continuamos enfrentando políticos ineptos para lidar com o problema, imensos conflitos de interesses, cabendo ao povo, quando consegue, buscar seus direitos na judicialização para responsabilização e reparação de danos.
O processo demonstra que a profunda desconexão que o planeta enfrenta é a mesma desconexão da sociedade, com evidente falta de meios para superar a crise gerada pela própria espécie humana.
Os prognósticos deste momento atual têm raízes em alertas feitos há quase 40 anos por James Hansen (Nasa), que em 1988 testemunhou ao Congresso dos Estados Unidos, seguido por Mikhail Gorbachev, perante a Assembleia Geral da ONU e, finalmente, com a ficção da vida real da Verdade Inconveniente de Al Gore, em 2006.
Será preciso um esforço gigantesco para promover uma transição civilizatória, para longe dos combustíveis fósseis e do modo de vida insustentável. Sobretudo, será preciso uma população consciente sobre riscos climáticos, que exija a tomada de ações eficazes – e de homens públicos com coragem para realizá-las.
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14 Jul 2025


Era de retrocessos humanitários e ambientais
09 Jul 2025


Ibama dribla tecnicos com parecer alternativo para liberar testes na Foz do Amazonas
03 Jun 2025


Luto ecologico e protagonismo climatico
09 Nov 2024


Incinerando o futuro
04 Ago 2024


Meio ambiente em banho-maria
27 Jul 2024


Pensando como ancestrais para salvar o planeta
15 Jul 2024


Ecoansiedade na era das mudancas climaticas
14 Jul 2024

