Diplomacia Climática pós-COP30
21 Nov 2025


Leia publicação original no O Eco Diplomacia climática pós-COP30 - ((o))eco
A diplomacia climática atual se apresenta cheia de boas intenções, de esboços para discussão, de textos preliminares e pouquíssimos avanços
Conceituar diplomacia climática não é difícil. Difícil é fazer com que ela funcione nos tempos atuais. Trata-se do uso de ferramentas diplomáticas para promover a cooperação internacional e fortalecer o regime global para combater as mudanças climáticas. Envolve negociações entre países para criar e implementar acordos como o Acordo de Paris, além de buscar alinhar políticas de desenvolvimento com sustentabilidade, proteger ecossistemas e garantir a transição para economias verdes.
Desde a Conferência de Paris, o cenário geopolítico global passou por alterações que tiraram o foco do grave e crescente problema humanitário do aquecimento global.
A diplomacia climática atual se apresenta cheia de boas intenções, de esboços para discussão, de textos preliminares e pouquíssimos avanços. Chamam essa realidade fase de implementação, porém os textos finais apresentam evidente omissão com relação aos combustíveis fósseis, a maior causa do problema climático.
Sejamos realistas. Ainda não atingimos estágio de implementação, a fase é de tentativas. Países interessados no petróleo e com modelos anacrônicos de crescimento (não de desenvolvimento) trabalham sistematicamente, de forma velada ou não, para obstruir negociações.
Parece óbvio que a raposa, que faz parte do problema da segurança do galinheiro, tentará minar seu regimento interno protetivo. Mesmo assim, para evitar dissidência, não se toca no regime alimentar das raposas.
Nem sempre foi assim. No auge do multilateralismo climático, durante a COP21 de Paris, o mundo diplomático, com vigor, impulsionou negociações que se transformaram no Acordo de Paris, o principal tratado resultante do esforço diplomático climático.
Adotado em 2015, e tendo entrado em vigor em 2016, o acordo estabelece metas para limitar o aquecimento global a menos de 2ºC e buscar manter 1,5ºC, exigindo que cada país signatário apresente suas próprias Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).
Mas o que aconteceu desde então?
Não foram poucas as pragas que se sucederam à Conferência de Paris: a ascendência de forças puramente mercantilistas nos Estados Unidos da América e seu séquito de representantes do setor fóssil; o advento da Covid e a velha verve expansionista russa, com a invasão da Ucrânia e as consequências energéticas para a velha Europa; o infeliz ataque do Hamas ao território israelense, que culminou no genocídio ocorrido em Gaza; o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA com sanha insaciável de interesses econômicos agregados para sufocar forças progressistas que impedem que a maior economia do mundo lide, de forma minimamente satisfatória, com o desafio climático.
Assim, o multilateralismo colaborativo, que deu gênese ao Acordo de Paris, praticamente feneceu no cenário global. Necessita ser revitalizado. As conferências do Azerbaijão e do Brasil foram as COPs mais esvaziadas e os países foram à mesa de negociações cheios de interesses pessoais, domésticos, econômicos e geopolíticos.
A divisão/fragmentação do mundo em blocos multipolares, em torno da China, e outros que pretendem conquista de espaço como o Brasil, situam a relação entre as nações em mundo multifacetado de contradições entre crescimento e desenvolvimento. Isso está claro no business as usual impregnado ao Brasil, que agora preside a COP30. Em sua abertura defendeu gigantesca perspectiva de produção petrolífera “para financiar transição energética”.
Os resultados da COP30 são limitadíssimos e omissos frente à necessidade urgente de medidas que representem eficaz intervenção na realidade, como a eliminação do uso de combustíveis fósseis e o aporte de recursos para socorrer países em desenvolvimento para sua transição energética, para prevenir e suportar impactos climáticos.
Se fosse uma convenção sobre tabagismo, teria sido uma tratativa onde os partícipes não teriam conseguido pautar o banimento do cigarro.
A proposta “Mapa do Caminho” protagonizada pelo Brasil, com adesões pleiteadas insistentemente dentro do mutirão multilateral, conseguiu até meados desta segunda semana da COP30 agregar compromisso de 82 países para se afastarem dos combustíveis fósseis. Mas só ganhou status de texto paralelo.
As adesões representam 25% da população e do PIB mundial. Ou seja, em uma conferência estratégica como a COP30, o comprometimento para com uma agenda de ação foi subscrita por apenas um quarto do potencial populacional e econômico global, que responde por apenas 15% da produção total de combustíveis fósseis.
Há um detalhe importante: desse potencial, o Brasil é o maior produtor de petróleo e nas últimas semanas anunciou expressivo aumento de produção.
É necessário repensar a diplomacia climática em seu atual formato de singelos drafts de boas intenções. Nos remete aos meios possíveis de ação, de como os diversos setores de direitos humanos, as cortes internacionais de Direito, poderiam contribuir para turbinar esse processo anêmico.
Como os diversos setores da ciência climática, que sinalizam riscos severos à humanidade, poderiam ser mobilizados para pressionar por eficiência climática? Como as áreas de saúde, agricultura, recursos hídricos e das cidades, cada vez mais vulnerabilizadas, poderiam atuar para a eficácia da diplomacia climática? Como transformar o modelo econômico global autofágico?
Albert Einstein conclui que “nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou“. Para encontrar solução, é preciso mudar a perspectiva ou o “nível de consciência” a partir do qual o problema foi criado.
Não é possível resolver um problema com a mesma mentalidade do status quo que o gerou. É necessário novos pontos de vista para encontrar saídas. Usar as mesmas ferramentas intelectuais e emocionais podem levar à “paralisia analítica”, ou à incapacidade de ver novas soluções.
Defender que o uso do petróleo irá financiar a saída da crise climática é um excelente exemplo de péssima iniciativa – que irá gerar piora de cenário. Trata-se de insuficiência analítica.
A exploração de 10 bilhões de barris na região da foz do Amazonas dispenderia investimentos imediatos altíssimos e poderia legar ao Brasil cerca de US$ 600 bilhões, mas geraria impactos ao planeta estimados em US$ 5,16 trilhões, de acordo com métrica macroeconômica apontada pela Universidade de Stanford (USA). A tragédia climática recente do Rio Grande do Sul consumiu, apenas dos cofres públicos federais, o valor de R$ 111 bilhões.
Assim, o formato hoje utilizado para a diplomacia climática necessita ser repensado, pois está se transformando em narrativa onde boas intenções parecem satisfazer a perspectivas das ações necessárias.
A fórmula das COPs que garante o imobilismo é notória. Os eventos climáticos abrem espaço para ilusória participação não governamental. A área decisória estatal é estanque. O clima de celebração proporciona aos partícipes o desejável e o indesejável: a informação e a troca de experiência, mas entre iniciativas heroicas e pressão de exigência social circulam lobistas fósseis aos milhares em sintonia com petroestados.
É preciso evitar o efeito legitimador com informação e criticidade necessárias. É preciso atentar para a legitimação de eventos em seu aspecto festivo, palanque de discursos fáceis que abortam temas que, em aspectos resolutivos, não ocorrem.
A mídia cobre o factual enquanto o essencial sucumbe. Detrás das cortinas da Blue Zone, assolada ao final por um incêndio, postergam-se ações essenciais para alimentar perspectivas posteriores que, novamente, com base no mesmo formato insuficiente, tenderão a ser postergadas.
Além das incongruências nacionais, talvez a resposta para a crise climática esbarre na velha dificuldade da Liga das Nações, da velha ONU, que merece boa reforma, mantendo seus avanços em Direitos Humanos e solucionando inconsistências democráticas, especialmente para reconsiderar impactos que parte da humanidade mais rica causa sobre os menos favorecidos.
Mas o modelo econômico atual tem empurrado a humanidade para o precipício, em sanha de consumo onde, cedo ou tarde, todos pagarão a conta. A solidariedade e a generosidade que deveriam permear os avanços estão sendo abafados pelo crescimento do individualismo pessoal/nacionalista. Se na atual fase de relativa prosperidade isso já ocorre, sequer podemos imaginar a barbárie que poderá advir de possíveis cenários de disputas por recursos de sobrevivência que se instalam no horizonte climático.
Mikhail Gorbachev, em 1988, usava o plenário da ONU para defender uma perestroika (reestruturação) das políticas ambientais globais, argumentando que o planeta precisava de uma nova visão política compatível com os desafios ecológicos e a necessidade de reduzir a brecha entre países ricos e pobres. Vinculava a paz global e o desarmamento nuclear à sustentabilidade ambiental, vendo ambos como pilares essenciais para o futuro da humanidade.
O desafio continua posto. Os cenários estão previstos. A capacidade transformadora minimamente desenhada. Projeções apontam que as políticas atuais levarão ao aumento do aquecimento médio global em até 4,5ºC até o final do século. Mas média não é realidade local. Envolve áreas mais frias como polares e os oceanos. Áreas do Nordeste do Brasil já apresentam + 4ºC e estão em processo de desertificação. Há ainda riscos seríssimos de efeitos-cascata sobre os ecossistemas, que poderão ampliar a margem de aquecimento.
Somos humanidade em risco. Caberá à diplomacia climática pós-COP30 construir a resolução para essa crise de sobrevivência.


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